quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Gostar de animais e?/ou? de pessoas

Não pude ficar indiferente à polémica, a propósito do aumento das penas para os maus tratos a animais e a suposta sobrevalorização do animal...
Quando temos crianças com fome e refugiados a morrerem no Mediterrâneo, é absolutamente necessário priorizá-los sem com isso paralizarmos e  condenarmos tudo à volta... Acontece que falamos de nós, ser humano, na sua mais injusta e cruel vertente! Sim, não confundamos as coisas! Se puséssemos os olhos no comportamento animal, seja ele selvagem ou doméstico, ouviríamos a Natureza a falar e perceberíamos o quão errados nós andamos... 
Os animais são verdadeiros, puros, não têm maldade! 
Mais, “quem cuida bem dos animais geralmente é boa pessoa”, o contrário já tenho muitas dúvidas... E será que pelo facto de se gostar de animais e se cuidar bem deles já se retira espaço para fazer o mesmo pelas pessoas? Ou pelo contrário, não será isso um indicador de confiança, bom coração e porventura maior capacidade de ajudar o próximo?
Os bons princípios, as boas práticas, em suma, os valores morais têm de estar presentes de nós para nós e de nós para os outros, sejam eles animais, plantas, coisas, ... Um crime não deixa de o ser porque é praticado contra um ser indefeso! Na minha perspetiva, que admito ser suspeita, estes crimes são ainda mais graves e não me choca nada que aumentem as suas penas. No entanto, também não acho que seja pela via do medo que se mudam mentalidades. É preciso investir mais na formação/educação, nomeadamente ao nível das escolas, passando a mensagem da importância do respeito e cuidado por tudo e todos, em particular pelos animais.

Já dizia Mahatma Gandhi “A grandeza de uma nação pode ser julgada pelo modo que os seus animais são tratados”.
 Dra. Isabel Maia
Médica Veterinária
Grupo HVV – Hospital Veterinário Viseu

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Perceber melhor o gato

O gato é cada vez mais escolhido como o animal de companhia. Ao mesmo tempo noto um  grande desconhecimento acerca das suas especiais exigências, ao ponto de ficarem doentes.
Talvez fosse bom tentarmos perceber como este felino vê e sente o mundo de modo a irmos de encontro ao seu bem - estar. Esta perceção está intimamente ligada aos sentidos e à importância dos mesmos para a sua sobrevivência:
  • O paladar dos felinos é pouco desenvolvido, mas em contrapartida o olfato é muito mais apurado, o que faz com que o sabor da comida seja menos importante que o seu odor (em situações de perda de apetite, podemos aquecer o alimento até cerca dos 30ºC o que fará com que este liberte moléculas aromáticas tornando-o mais palatável). Como carnívoros estritos, respondem pouco ao doce, preferindo os sabores azedo, amargo e salgado;
  • Como caçador noturno que também é, a sua visão é muito apurada para o movimento e em ambientes com pouca luz (distingue menos cores do que nós, mas mais tons de cinzento). Na verdade, ele não precisa de saber se um alimento está maduro ou não, como nós (cor da fruta), mas fará toda a diferença captar o mais ténue movimento da sua presa. A retina felina não tem a acuidade da humana, mas capta muito melhor o movimento e a luz melhorando muito a sua visão noturna. De notar que o ato de caçar, muitas vezes associado por nós a brincar, faz parte do etograma (comportamentos característicos) do gato e é fundamental que o possa expressar para estar em equilíbrio. Em apartamento, podemos sempre recorrer a pequenos objetos (ex. brinquedos interativos) com capacidade de girarem e de preferência que recompensem a “caçada”, libertando pequenas porções de alimento, de modo a evitar que o gato fique frustrado, incentivando a “brincadeira” e deste modo o tão importante exercício físico;
  • Quanto à audição, a sensibilidade para sons graves é quase igual à nossa, enquanto para sons agudos é muito superior. Suponho que por vezes seja difícil para o gato comunicar connosco, uma vez que nós não ouvimos muitos dos sons a que ele reage e isto explica que também não entendamos muitos dos seus comportamentos, uma vez que não ouvimos o que ele consegue ouvir e interpreta…; 
  • O tato nos gatos é talvez o sentido mais difícil de estudar, no entanto sabe-se que têm preferências por determinadas texturas (ex. preferem  superfícies macias para descansarem) e possuem pelos táteis (vibrissas) na cabeça e nos membros dianteiros que lhes permitem auxiliar a visão (quando caçam, o ato de morder é despoletado pela ativação dos  pelos táteis em contacto com a presa). O gato é capaz de mapear tridimencionalmente um objeto apenas tateando-o com as suas vibrissas. Devemos evitar cortar os seus pelos táteis, pois podemos pôr em risco a locomoção do gato em ambientes com pouca luz;
  • O seu olfato é 30 vezes superior ao nosso, daí a comunicação através de marcação com odores ser muito desenvolvida. O gato tem necessidade de saber “as últimas notícias” cheirando. Muitas vezes pede-nos para abrir a porta, pondo apenas a cabeça de fora e voltando logo para dentro, deixando-nos sem saber afinal o que queria…

Para além de todas estas diferenças o gato é exigente na organização espacial do seu território. Gosta de zonas delimitadas e afastadas para dormir (sossegadas e altas), brincar, comer, beber (água fresca e em taças de vidro, loiça ou metal), defecar e urinar (caixotes de areia limpos e de “uso pessoal”), marcar (arranhadores adequados). Num apartamento não é fácil prover tudo isto, mas devemos respeitar afastamentos (por pequenos que sejam) pelo menos dos recursos mais importantes (água, comida, “wc” e zona de descanso).


Pensar que ter um gato como animal de companhia é mais calmo e menos exigente do que ter um cão, pode não corresponder bem à verdade…mas é de certeza verdade que quem pensar em ter um gato como animal de companhia, informando-se bem acerca das suas necessidades, e concretizar esse desejo, vai cada vez mais admirar este felino e atrevo-me mesmo a dizer, que se tal acontecer com quem não gosta de gatos, vai passar a gostar.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Curiosidades: Porque é que eles tanto se “lavam”?

O lamber, mordiscar e até o coçar a sua própria pele e pelagem (atos de grooming) fazem parte do comportamento normal do cão e do gato e ocupam grande parte do seu tempo diário ativo (tempo em que estão acordados). O que à primeira vista pode parecer algo com fins estéticos, é na realidade muito mais. Sabe-se que estes atos, na justa medida, contribuem para o bem – estar dos nossos animais de companhia uma vez que lhes:
- Diminuem o stress;
- Promovem a termorregulação, em particular nos gatos;
- Permitem remover detritos da superfície corporal, pelo “morto”, para além de eventuais ectoparasitas (pulgas, piolhos, carraças);
- Transmite defesas que reforçam a barreira cutânea. Sabe-se que sua  saliva tem propriedades antimicrobianas que são muito importantes numa primeira “desinfeção” de ferimentos. Por outro lado, essas propriedades não são suficientemente fortes para impedir que uma flora benéfica orogenital se difunda pela pele e pelagem dos filhotes, quando a progenitora os lambe no sentido de lhes estimular a micção e a defecação. Esta flora vai ter um papel muito importante no desenvolvimento da normal barreira cutânea;
- Dá mais “poder” de comunicação. 
Ao “alisarem” a pelagem insistentemente estão também a espalhar substâncias químicas (feromonas) produzidas em várias partes do seu corpo, que são fundamentais nas interações sociais entre mascotes; ...

Deixemos assim os nossos animais de companhia expressarem os seus comportamentos naturais, desde que não manifestem qualquer tipo de lesão associada. Já agora tenhamos muito cuidado com os produtos que utilizamos na ajuda à sua higiene. O risco de toxicidade é elevado! Devem ser produtos específicos para cada um, e o aconselhamento da frequência e modo de uso deve ser feito por um técnico devidamente acreditado.
 Dra. Isabel Maia
Médica Veterinária
Grupo HVV – Hospital Veterinário Viseu

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Adotar uma mascote. 7 regras:


  1. Nunca adote por impulso. Ter um animal de companhia é uma decisão para a vida. As alegrias e vantagens vão ser muitas, mas a responsabilidade, preocupações, trabalho e despesas vão ser uma constante;
  2. Tente perceber qual o tipo de mascote (gato, cão, coelho, …) que melhor se adapta a si e ao seu estilo de vida. Se quer determinado tipo de caráter/temperamento no seu animal de companhia, é melhor optar por uma raça que lhe ofereça um trabalho de seleção nesse sentido (ex.: um Beagle é um cão predominantemente alegre, ativo, muito curioso, inteligente mas também teimoso e que requer um bom adestramento; um Pastor Alemão é sem dúvida um cão vigilante, curioso, inteligente, destemido, entre outras características e que precisa de treino dedicado);
  3. Se apenas deseja um animal de companhia pelo genuíno gosto de acarinhar uma vida junto a si, nada melhor do que adotar uma mascote abandonada à sua sorte num qualquer refúgio. Vai exigir de si muito mais abertura à novidade e imprevisibilidade, mas o que é mais frequente é termos a agradável surpresa de privarmos com animais extremamente inteligentes, meigos e por vezes com comportamentos de quase agradecimento, na medida em que manifestam uma tal dedicação ao tutor, que chega a ser comovente. Por norma, são também animais mais resistentes a doenças e não tão exigentes em cuidados para se manterem saudáveis;
  4. Se tiver de escolher uma mascote numa ninhada evite os extremos. Não opte pelo mais tímido, nem pelo mais “oferecido”. A probabilidade de termos alterações comportamentais no adulto é maior num animal receoso ou afrontador;
  5. Se a escolha passa por criadores, opte pelos que promovem a socialização e não permitem a saída da mascote (cão) antes das 8 semanas (há uma aprendizagem fulcral junto da mãe e irmãos);
  6. Por muito que queira, não adote um gato assilvestrado. Estes gatos não estão adaptados a permanecer junto ao Homem, vivendo na Natureza (campo, cidade) em perfeito equilíbrio, desde que não ultrapassem números que coloquem em risco os recursos que necessitam;
  7. Não adote animais selvagens e muito menos espécies em risco. Para além de ser ilegal é uma violência contra estes animais.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

A inteligência do cão e do gato

Dos muitos animais de estimação com que me fui cruzando ao longo de mais de 20 anos de clínica em animais de companhia, pude constatar o seu raciocínio (resolvem problemas, descobrem soluções,...), sentimentos (medos, alegrias, apatias, talvez mesmo tristezas,...), memória (lembram-se de pormenores, mostrando comportamentos muitas vezes surpreendentes,...), enfim, são de facto dotados de uma apurada cognição!



Para terem uma ideia mais precisa e cientificamente comprovada, sabe-se hoje que, à exceção do uso de ferramentas, tanto o cão como o gato são dotados das seguintes funções cognitivas:
-Atenção;
-Aprendizagem e memória;
-Classificação, discriminação ou diferenciação e seleção;
-Reconhecimento e orientação espacial;
-Raciocínio: segundo alguns cientistas, são mesmo considerados seres racionais, já que atuam em função de motivações que podem ser compreendidas objetivamente;
-Resolução de problemas: envolvendo raciocínio abstrato para além da tentativa e erro ou da mera associação de estímulos;
-Tomada de decisões;
-Comunicação e “linguagem” ou cognição social;
-Temporalidade: capacidade de medir o tempo.
Já dizia Darwin no século XIX “Não há diferenças fundamentais entre o Homem e os Animais(...) os Animais, como os Homens, demonstram sentir prazer, dor, felicidade e sofrimento.”
 Respeitemos pois ainda mais os nossos animais, e tenhamos consciência que ter o privilégio da sua companhia exige de nós responsabilidade, cuidar sempre e em todas as situações. 
 Dra. Isabel Maia
Médica Veterinária
Grupo HVV – Hospital Veterinário Viseu

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Cães e gatos séniores. A que estar mais atento e o que fazer?

O cão e o gato entram na idade sénior por volta dos 7 anos (podendo variar um pouco com a espécie e a raça). 
É muito importante um bom acompanhamento também neste período. Então, o que fazer?
-Check up de saúde regular (no mínimo anualmente) se possível com exames complementares (análises sanguíneas, medição da pressão arterial, ...);
-Planos vacinais e de desparasitação em dia;
-Exercício e atividades de estimulação cognitiva. A ideia de que “Passa muito tempo a dormir, porque é velho...” é errada! Muitas vezes há recusa ao movimento por dor (levar ao veterinário!) e/ou falta de estimulação/atenção da nossa parte, o que pode desencadear/potenciar um processo de depressão/apatia, com agravamento do quadro clínico;
-Adequar o plano nutricional (introduzir alimentos dedicados a esta faixa etária).
Existem sinais que devemos estar mais atentos e que se forem persistentes devemos antecipar a visita ao veterinário: 
-Vómito recorrente (pode ser o primeiro alerta percetível pelo tutor de alteração renal);
-Alteração comportamental (mais parado, ou pelo contrário, excessivamente ativo como por ex. ladrar muito e a despropósito);
-Alteração na condição corporal (magreza ou aumento excessivo de peso);
-Alterações cutâneas (ex.: nódulos, muita queda de pelo com zonas de alopecia);
-Alterações nos hábitos alimentares e/ou urinários (sempre com fome, bebe e urina muito, ou, perda de apetite e dificuldade em urinar, ...);
-Alterações na coloração dentária e/ou mau hálito (podem indicar presença de tártaro, gengivite, alteração renal, …); ...

Sendo o envelhecimento um processo fisiológico, ele apenas traz novos desafios. É nossa obrigação ajudar a viver melhor esse tempo, que é de sabedoria e em que muitas vezes os nossos animais de companhia já nem precisam de nos ver ou ouvir para saberem exatamente o que nós queremos, merecendo ainda mais os nossos cuidados e atenção! 

 Dra. Isabel Maia
Médica Veterinária
Grupo HVV – Hospital Veterinário Viseu

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

As alterações no planeta e o impacto nos animais

Ainda relacionado com a polémica das alterações climáticas...
Um estudo recente diz que existem cerca de 5200 espécies de animais em risco de extinção (dados da União Internacional para a Conservação da Natureza). 
Preservar a Natureza é urgente! É a biodiversidade que está em causa e é já uma questão de lógica da nossa própria sobrevivência enquanto animal que partilha este Espaço.
Sabe-se que a biodiversidade é fundamental para o equilíbrio da vida na Terra. Sempre que uma espécie se extingue é uma peça do puzzle que se perde, pondo em risco o significado final do quadro da Vida.
Temos de nos envolver preservando a natureza, reciclando, não poluindo, preferindo energias renováveis e ajudando/(in)formando o próximo! 
Ainda que pareça pouco o que cada um pode fazer e isso o desmotive, lembrar que “o muito é feito de muitos poucos”.
Em relação ao veterinário que dedica a sua vida aos animais de companhia e qual o seu direto papel neste terrível cenário enquanto profissional, deixo uma pequena história...
“Certo dia alguém fez a seguinte pergunta a um médico veterinário:
-Se o mundo está tão mal, havendo tanta gente doente e a morrer, porque é que desperdiça o seu tempo com animais?
E a resposta pronta foi:
-Se há tanto animal doente, incluindo animais e pessoas a morrer devido a nós, seres humanos, porque é que eu hei de desperdiçar o meu tempo com quem nos destrói?”. 
Sim, é urgente cuidar de todos os animais, sendo que os mais “doentes” e porventura a precisar de cuidados mais “profundos” sejamos mesmo nós, os humanos…
Termino com o forte desejo que um dia se concretize a frase de Louis Pasteur: “a medicina cura o homem, a medicina  veterinária cura a humanidade”.